“O Anticristo”, de Friedrich Nietzsche

18 nov

“O evangelho morreu na cruz”

“Deus está morto”

O Anticristo é um livro que não merece ser julgado por seu título, uma vez que não fundamenta suas críticas a Jesus Cristo, mas sim ao cristianismo. Escrito em 1888 e publicado em 1895, é uma das mais amargas críticas aos valores estabelecidos em dois mil anos de cristianismo. Nele, Nietzsche meche com as bases do cristianismo ocidental, além de propor a “transmutação de todos os valores”, o qual constitui no seu maior plano. São 62 capítulos durante os quais mantém o tom agressivo com o intuito de desmascarar o cristianismo.

A trajetória de vida de Nietzsche ajuda compreender a motivações que influenciaram na formulação de sua teoria. Friedrich Nietzsche, membro de uma família religiosa composta por pastores luteranos, nasceu no ano de 1844 na cidade de Rocken. Um menino cuja infância trágica, marcada pelo falecimento do pai, pastor luterano, e do irmão, fez com que buscasse na literatura um refúgio do sofrimento. Ganhou bolsa de estudos num colégio interno e dedicava-se à teologia, uma vez que queria formar-se pastor em homenagem ao pai. Era reconhecido por ser um homem a frente de seu tempo.

Porém, mais tarde, abandonou a teologia e, contrariando a família, escolheu a filologia clássica para especializar seus estudos. Foi reconhecido como doutor em filosofia, sem nem mesmo ter um doutorado A partir de então, firmou-se profissionalmente e publicou livros polêmicos. No ano de 1879 começou a sentir fortes dores na cabeça e na vista que passaram a prejudicar sua leitura, culminando no fim de sua carreira profissional. Sua irmã, Elisabeth, mercenária e, aproveitando-se da doença do irmão, forjou seus escritos, vendendo-os à mais perversa ideologia nazista.  Foi internado em clínica psiquiátrica e, solitário, não compreendia a indiferença que o cercava. Faleceu no ano de 1900 em Weimar.

A primeira das três fases do filósofo foi influenciada pelos textos de Schopenhauer e pela música de Richard Wagner, a partir do qual Nietzsche elabora sua teoria acerca da “vontade de poder” a qual defende que o homem moderno deve ser tomado por um impulso a fim de superar a si mesmo.

No livro, Nietzsche faz críticas à Paulo, o primeiro teólogo a inverter os valores de nossa existência e combate o idealismo da metafísica platônica, fortemente popularizada pelo cristianismo, além de classificá-la, juntamente com a religião, formas ultrapassadas e culpadas pelo atraso da humanidade. Ele também afirma a necessidade da criação de uma nova cultura, composta por novos valores, que não seja fundamentada na literatura que trata Cristo a partir de uma visão romantizada. Nietzsche ainda fala sobre o “além-homem”, um novo tipo de homem capaz de conviver com suas limitações e superações; defende o fim do império moral sobre a existência, afirmando que os valores devem surgir sem o sentimento de culpa estabelecida pela moral cristã; critica a atitude do ser humano de criar um Deus para preencher seu vazio existencial; defende acirradamente o amor à vida, o único capaz de libertar do niilismo; demonstra simpatia pelo budismo, entre outros inúmeros argumentos que contrariam o cristianismo e todas as vertentes que ele tomou. Ele, contudo, não intensiona conquistar seguidores e massificar seus pensamentos, mas sim fulminar tudo que é cristão ou que está infeccionado pelo cristianismo.

Para muitos filósofos, Nietzsche constitui num paradoxo, uma vez que provoca, simultaneamente, sentimentos de afastamento e de aproximação de sua filosofia. A filosofia nietzschiana é também conhecida como “filosofia do martelo”, destinada aos fortes capazes de encarar os sofrimentos e as alegrias da vida sem a influência religiosa.

As aproximadamente 100 páginas que exigem atenção e dedicação do leitor por sua nada branda compreensão, alastram o desabafo de um ateu inconformado em ver a humanidade corrompida e derrubada por aquilo que considera a essência do desmoronamento da humanidade, o cristianismo.

Uma leitura delicada, especialmente para o leitor cristão, deve ser tratada como uma obra filosófica, dispensada de pré-julgamentos, e tomada como o relato de um homem empenhado na evolução da humanidade. Mesmo após duzentos anos, uma obra atual pelo fato de a moral e o ressentimento ainda estarem presentes no mundo cristão.

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