Arquivo | junho, 2010

VIOLÊNCIA NAS TORCIDAS ORGANIZADAS – REALIDADE INQUESTIONÁVEL

30 jun

“Durante o Campeonato Brasileiro, os matemáticos colocaram o Fluminense com 98% de chances de cair para segunda divisão. Mas às vezes os números enganam. O time carioca deu uma arrancada histórica e, com 11 jogos seguidos sem perder, conseguiu se livrar do rebaixamento para a segunda divisão com um empate por 1 a 1 com o Coritiba. Por outro lado, o clube alviverde do Paraná, no ano de seu centenário, cai para Série B da competição nacional”. (Fonte: Terra Esportes)

Após o apito final que decretou o empate em 1×1 com o time do Fluminense, o Coritiba foi rebaixado e o Couto Pereira foi transformado num campo de guerra. Eu estava lá, sentindo a agonia de ver o time do coração ser rebaixado para a série B do Campeonato Brasileiro em pleno ano em que comemorava seu centenário.

O tempo, como de costume, estava nublado, e eu assistia ao jogo vestida com camisa verde e branca do alto do terceiro andar da arquibancada, logo acima do lugar oficial da Império Alviverde, Torcida Organizada do Coxa. Acompanhada de meu pai, como sempre, fomos ao Couto Pereira (estádio do Coritiba), dessa vez, para sofrer na partida que definiria o destino do Coxa: permanecer na série A do Campeonato Brasileiro ou cair para a segunda divisão, em pleno ano de comemoração de cem anos do time. A tensão era evidente entre os torcedores, que, mais do que nunca, naquela ocasião, estavam unidos em prol de uma mesma causa.

Aos 27 minutos do segundo tempo, em cobrança de falta, Fred tocou para Marquinho, que soltou a bomba e marcou o primeiro gol do Fluminense. O gol adversário bastou para revoltar a torcida coxa-branca, que já estava ansiosa com o contexto da situação, e até quem estava fora do estádio tentou invadir o campo. Nunca havia escutado tantos palavrões em tão pouco tempo. O Coritiba estava a 18 minutos do rebaixamento e o nervosismo dos torcedores só baixou quando Marcelinho Paraíba, aos 35, cobrou falta na cabeça de Pereira que igualou o marcador.

“Vamos, vamos meu verdão. Vamos não para de lutar. Vamos em busca da vitória, em busca da vitória. Eu vim te apoiar”. O gol do Coritiba fez renascer as esperanças da torcida que não cessava em cantar seu hino de apoio ao time. O gol de Marcelinho fez renascer a esperança de permanência na elite do futebol brasileiro. Um empate, porém, não bastava. À medida que o fim do jogo se aproximava, expressões de decepção iam aparecendo, lágrimas escorriam e atos de vandalismo e revolta começaram a brotar: o empate não conseguiu manter o Coxa na primeira divisão.

A confusão maior teve início logo que o time do Fluminense começou as comemorações pela permanência na série A. O lateral do time carioca, Rui, envolveu-se numa briga com funcionários do Couto Pereira e em seguida, uma multidão desesperada e furiosa invadiu o campo e acuou o time em direção à sua torcida. Mais tarde, soube-se que o time do Fluminense só deixou o campo protegido por cadeiras e escolta policial.

Os juízes da partida também foram vítimas da fúria dos torcedores. Após o apito final que decretou o rebaixamento do Coritiba, dezenas de pessoas invadiram o gramado e partiram para cima do quarteto de arbitragem. Foi quando os policiais entraram no campo e o confronto com a torcida começou. Ainda, na tentativa de conter a fúria, seguranças tentaram intimidar com pedaços de ferro, causando mais revolta. Havia sangue escorrendo nos rostos dos envolvidos no motim.

Uma cena inesquecível foi ver a própria torcida arrancar as cadeiras do estádio Couto Pereira, considerado um dos mais belos do país, para arremessá-las no gramado em direção aos PMs que, em pequeno efetivo, não conseguiram controlar a agitação. As cadeiras tornaram-se armas e escudos dos policiais contra a violência. Um dos PMs teve que ser retirado carregado pelos colegas, quase desacordado por causa de uma pedrada, cena a qual foi repetida inúmeras vezes, mais tarde, na mídia. Em meio à confusão, um helicóptero da Polícia Rodoviária Federal pousou no gramado para dar atendimento aos casos mais graves.

Da arquibancada, duas horas de briga, pareceram dois minutos. Foram horas de tensão, medo e espanto: nunca havia visto nada igual. A agonia aumentava à medida que eu me encontrava presa dentro do estádio, já que a confusão alastrara-se para todas as áreas do campo, para as ruas e para os pontos de ônibus. No dia seguinte, foi possível ver consequências da confusão nos estragos na cidade. Também, a tristeza e decepção com o time que acabara de ser rebaixado foram esquecidas e substituídas pelo medo. Tive que correr, encontrar lugares seguros onde podia me esconder dos objetos que voavam pelo ar e da correria que atropelava a multidão enlouquecida.

Foi uma experiência inédita, a qual nunca mais espero presenciar. As cenas de violência que vivenciei foram sérias e, naquele momento, corri risco de vida. A revolta começou entre os torcedores da Império Alviverde, que em atos de vandalismo, pularam o fosso de proteção e invadiram o campo com o intuito de agredir e destruir o patrimônio do time. A violência naquele dia começou entre os torcedores da Império Alviverde, a mesma que costuma oferecer um espetáculo de beleza em suas apresentações.

Depois daquela ocasião, pensei que teria que optar por locais mais nobres e caros no campo, onde não há ou raramente há confusão. Pensei que nunca mais assistiria a uma partida do Coxa da arquibancada principal, logo atrás gol, lugar de preferência e que ocupo desde pequena. Nunca me passou pela cabeça, porém, que deixaria de freqüentar o estádio. Nunca passou pela minha cabeça em deixar de ver o Coxa jogar, seja na primeira, segunda ou terceira divisão. Quando os torcedores vão ao estádio já imaginam que alguma cena de violência pode ocorrer. É recorrente que bebidas, drogas, somadas às canções de provocações e à situação de rivalidade entre torcidas e times, causem algum tipo de confusão; mas confesso que não esperava aquela barbárie que foi a “guerra” no Couto Pereira.

“17 torcedores saíram feridos na confusão, além de três policiais que tiveram que ser hospitalizados. Entre os fãs atingidos, dois deles se encontram em estado grave”. (Fonte: Terra Esportes). Usemos a organização das organizadas para promover uma cultura de paz no esporte.

O fato relatado acontecido no dia 6 de dezembro de 2009. Apesar disso, continuo frequentando o estádio Couto Pereira e, também, outros estádios, principalmente o Pacaembu. Já presenciei outras formas de violência nas partidas de futebol, especialmente brigas com agressões físicas, contudo nenhuma se compara àquela ocorrida em Curitiba. Quando morava na capital paranaense, era sócia-torcedora do Coritiba e hoje, sempre que tenho uma oportunidade, marco presença na torcida.